terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

K.O. em Telavive



Asaf Hanuka (2017). K.O. em Telavive. Lisboa: Levoir.

Utilizar a BD como crónica de costumes, utilizando a vida pessoal do autor como ponto de partida para, em modo biográfico, retratar a sociedade que o rodeia, tem sido uma das principais vertentes do género. Sem puxar muito pela memória, Crumb, Spiegelman, Pekar ou Delisle são alguns dos expoentes desta vertente. Não é um estilo que me atraia muito, precisamente devido ao forte cunho pessoal destas obras. Têm um foco algo umbiguista, de exploração de neuroses e dramas pessoais, que sendo totalmente legítimo e bem explorado em termos artísticos, não me toca por aí além. Não gostar de temas não implica que se descredibilize obras, há que saber olhar para além do instinto pessoal.

O que me levou a quebrar o evitar deste tipo de banda desenhada foi a proveniência do autor. Israel é um país do qual pouco conheço, à exceção de apontamentos históricos e do que dele se discute nas notícias, raramente pelas melhores razões. Como será viver uma vida normal naquele país, militarizado, que aparenta uma mentalidade de estado de sítio permanente, sob ameaça de guerras e terrorismo, que ocupa impunemente territórios conquistados e empurra para o que de facto são ghettos a população palestiniana? É possível ser-se normal, definindo esta normalidade pelo profissionalismo e vida de classe média?

A sociedade em geral, os conflitos, medos de ataque e violência nas ruas, estão muito presentes ao longo desta obra. Raramente como centro das suas histórias. Fazem parte de um ensurdecedor ruído de fundo, mas o que sobressai é o elogio da banalidade. Hanuka traça um retrato de si próprio como artista, pai e marido, alguém que teme o acumular de contas, tem as suas obsessões pessoais, luta para manter uma vida tranquila com os filhos e manter acesa a chama do amor pela mulher no meio das banalidades da vida. Em essência, é a história de todos nós, excetuando alguns pormenores específicos da cultura judaica, este K.O. tanto poderia ser em Telavive como em Lisboa ou num aldeia, algures.

Hanuka é um desenhador arguto, o melhor das suas narrativas passa-se ao nível visual, sente-se que o texto meramente acompanha a história. As metáforas visuais que invoca, de um surrealismo critico, são o seu elemento narrativo fundamental.