sexta-feira, 3 de março de 2017

Ser Moderno


Registo de visita à abrangente exposição retrospetiva de Almada Negreiros na Fundação Gulbenkian. Visita com sentimentos mistos. Por um lado, o reconhecimento da importância deste artista para a arte portuguesa, e o deleite com a enorme mestria pictórica, estética elegante e cor vibrante que caracterizou a sua obra. Por outro, uma certa sensação de vazio de conteúdos, de artista de temáticas confortáveis, de grande rigor técnico mas sem levantar ondas ou questionar a sociedade contemporânea para além do trazer as estéticas modernistas para as práticas artísticas em Portugal. Está tão giro! era a expressão que mais ouvia dos visitantes, o que me deixa algo inquieto, com a sensação que na arte valorizamos o esteticamente agradável e o decorativo, evitando o que nos possa provocar ou questionar. Por cá, só se pode ser rebelde com respeitinho, que é coisa muito bonita...





Se tiver de escolher o que mais me tocou na rigorosa exposição retrospectiva de Almada Negreiros  é este estudo abstrato, da fase final da sua obra, onde se dedicou a explorar as estéticas quase iniciáticas da geometria pura. Num destes estudos vêm-se inusitados pingos de tinta a contrariar a perfeição estética do corpo da obra em exposição.

Não me interpretem mal, Almada foi um artista excepcional e marcante, mas esta exposição sublinha que visualmente é demasiado confortável. O que é algo comum à arte portuguesa mais conceituada. Como nos casos recentes de Vhils ou Joana Vasconcelos: visualmente interessantes, com mestria técnica, mas confortáveis e nada desafiantes nas suas temáticas, fundamentalmente mais decorativos do que provocadores.

Almada Negreiros: Uma Maneira de Ser Moderno está na Gulbenkian até junho. Conta com um acervo enorme, representativo das muitas facetas do pintor. E, coisa estranha por cá, tem filas de espectadores, algo que há poucos anos seria quase impensável no nosso panorama cultural.